quarta-feira, março 28, 2012

Outra

Vou deixar o cabelo crescer, tingir de loiro, entrar na academia, ler livros de auto ajuda, assistir novela, pintas as unhas com esmalte rosinha ou Renda, parar de falar palavrão, parar de trepar com quem eu bem quiser, usar vestidos com fitas de cetim, falar baixo, deixar de ir aos bares com amigos, ter menos amigos homens, dar risadinhas histéricas pelo corredor, usar batom clarinho, fazer chapinha todo dia e mentir que quero ser mãe e casar na igreja. Aí eu viro outra pessoa, você se apaixona e eu deixo de te amar.

segunda-feira, março 19, 2012

Tudo o que é vivo, morre

Uma notícia de morte sempre me transforma um pouco. Essa ideia de finitude parece que não faz parte do dia a dia enquanto se é jovem, enquanto se está saudável e com tantos planos esperando o momento de concretização. É o mestrado que está começando, a dieta que funciona, as aulas a preparar, o show do fim de semana, o amor que ainda não sentiu, os filhos que ainda não teve,  a casa que quer decorar, os lugares que ainda vai visitar. Tudo faz parte do que está por vir. Da vida que está por vir. Nunca se espera pela morte. Pelo menos não na minha idade. 

Minha tia, Maria Campos, faleceu no último sábado pela manhã. Mainha me acordou com a notícia. Como sempre faço, a consolei com as palavras sensatas, com delicadeza e cuidado, tentando amenizar a dor que estava ali do outro lado da linha telefônica. Eram primas de parentesco e irmãs de criação, um elo muito maior do que o sanguíneo. 

Tenho lembranças muito fortes de visitá-la em Palmares, interior de Pernambuco, e observar os quartos bem cuidados, as plantas do seu pequeno quintal, sempre vistosas, de rir porque o gato se chamava “Seu nome”. Das imagens dela que mais me marcaram, ela sentada na penteadeira do seu quarto, escovando os longos cabelos prateados para prendê-los num coque. Sua pequena vaidade. 

Teimosa, turrona, ciumenta, brava. Tia Maria impunha sempre respeito nas nossas danações de criança. Cozinheira de mão cheia enchia a casa de minha infância com os cheiros das comidas de São João, fazia questão de preparar os bolos e doces de todos os aniversários. Meus primos, eu e minha irmã, sempre dávamos um jeito de comer mais brigadeiros, com a desculpa de ajudá-la no preparo. Ela sempre percebia e nos expulsava da cozinha. Adorava. 

Não era afeita a carinhos, afagos. Teve uma vida dura, mais dura era consigo. No entanto, toda a delicadeza e amor cabia nos seus trabalhos manuais, bordados e pinturas, que nos presenteava nos Natais e aniversários. Mesmo quando a visão já não ajudava e a coordenação motora não estava bem. Acarinhava assim. 

Ontem à noite, liguei para minha mãe, queria saber do velório, dela, de como estava a família. Sentei num murinho perto da mesa onde estava jantando com amigos. Enquanto a ouvia descrever tudo, de maneira tranquila, chorei. Chorei muito. Pela minha ausência, por não me despedir, mas, sobretudo, porque imaginei que em breve posso ser eu a dar estas notícias da sua partida. Quem consegue estar verdadeiramente preparado para se despedir de quem mais ama? Eu não estou. Talvez nunca esteja. 

Essa transitoriedade, essa finitude, o desapego, não estou preparada e me sinto extremamente pequena ao pensar sobre isso. Eu, que tenho sempre a palavra certa, fico sem fala. Bloqueada. Quando minha mãe um dia disse que havia feito um plano funerário e seguro de vida para ela e para nós, mudei de assunto. Não queria discutir isso. As mães deveriam ser eternas. Mas não são. Tratar o assunto de maneira objetiva, falar da morte como uma etapa da vida. Na teoria, tudo bem. Quando envolve o nosso coração, a nossa carne ali exposta, é como sal nessa ferida aberta. 

É clichê, é extremamente clichê, eu sei. Não há como evitar, posso ser eu a ir antes dela, me disse um amigo durante o jantar. É a única certeza que temos: a de que um dia todos acabarão. É também a única verdade para a qual ainda não encontro chão que apoie meus pés. Respiro fundo, acalmo o coração e decido que um dia também irei. Acho que faz parte de aceitar a minha condição de adulta, o meu processo de envelhecimento, os meus primeiros fios brancos a minha humanidade. 

Para além das discussões filosóficas e religiosas, um dia eu também findarei. Que o meu chão seja firme para que eu não caia quando precisar me despedir. Que eu me permita ter dor e desesperar, por um breve momento, ainda assim. Porque a dor é pela perda do amor, mas o amor, ah, esse nunca findará de verdade. Vai apenas se transformar. Em saudade. Em lembrança. Em uma parte de mim.

sexta-feira, março 02, 2012

Recadinho

Eu acho divertido te mandar mensagens no meio do dia com pequenas frases de efeito, com os meus desejos mexendo com teu imaginário enquanto rio do outro lado do teclado. Eu sou diferente, você tem razão. Mas não se iluda. Eu não presto.

quinta-feira, março 01, 2012

Saltando abismos

Eu queria falar com calma dos dias que tenho vivido. Das ruas que revi, dos encontros que tive, das belezas que me invadiram as entranhas. Mas não tenho explicações para nada, nem quero. Estava tudo tão caótico antes de ir. Tudo em mim era desordem e de repente, tudo faz sentido de novo. É estranho estar serena assim, mesmo com febre, mesmo doente, mesmo com vontade de estar em outros lugares. Resignificar deveria ser a palavra da vez, mas não sei se é bem isso. Não tem angústia aqui, não tenho do que reclamar. As contas estão pagas, desperto paixões novamente, a casa está arrumada, os vestidos nos cabides, a mala desfeita, as unhas pintadas. Há uma vontade de encantamento, mas não há urgência, nem desespero nisso. Há esse torpor, esse estranho conforto na calma dos meus sentimentos. Enxergo com tanta clareza as minhas convicções que me espanto em ser essa mulher segura, que tem o chão firme sob os pés. Eu salto abismos, não me jogo mais neles.