quarta-feira, dezembro 05, 2007

Auto-retrato

Os pés são chatos, num deles uma tatuagem, vivem me fazendo perder o equilíbrio, destrambelhada que sou. Não cuido muito deles, deveria usar mais cremes, ir mais ao pedicure, mas existem em mim tanta preguiça dessas coisas... as pernas são muito brancas, batatas que guardam ainda a forma de uma longínqua jogadora de handebol. As coxas são meio bambas, grossas demais, desde criança me incomodam. No meio das pernas, o sexo. É o cio em pessoa. A barriga se revolta em ondas de gordura que guardam o ninho para meus futuros filhos. Bem no centro dela, o umbigo redondo, uma caverna pequena e silenciosa. O olho do corpo. Vê o outro e guarda segredos. Os peitos são do tamanho que eu gosto, sardentos, metidos quando acariciados e depois voltam, murchos para dentro do sutiã. Os braços são muito grossos, com pêlos demais mas têm uma mania interessante de abraçar coisas e pessoas. Na ponta dos braços, as mãos irrequietas mexem em tudo, pegam copos, canetas, digitam enlouquecidas e colocam papéis por cima das mesas e cadeiras, mexem nos cabelos que hoje estão escuros e curtos. Meus olhos não param de procurar coisas e se fizam nos olhos dos meus interlocutores às vezes com tanta curiosidade que nem presto atenção nas palavras, fico ali, vendo a alma e tentando identificar a tonalidade de suas íris. A boca está sempre pronta para dar respostas rápidas e dificilmente trava, só quando tenho que falar de mim em primeiríssima pessoa, aí eu travo, a cabeça não manda mensagens corretas e eu me perco. Mas a língua e os lábios estão prontos para lamber outro corpo, entrar em orelhas, arrepiar, se abrem para beijos longos e se fecham, guardando para sempre o segredo de quem eu sou.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Minhas bolsas

Adoro bolsas. Para quem me conhece, nem precisa ser bem, isso não é novidade alguma. Parafraseando Martinho da Vila, já as tive de todas as cores, de todos os amores! E ainda tenho... Dezenas... Compradas a esmo, por impulso, para combinar apenas com uma roupa, por puro prazer de ter e sem roupa para combinar! Teriam elas significado tirânico ou libertador em minha vida? Seria esse pensamento, coisa de quem não tem mais nada para pensar? Mas penso, logo existo, diria Descartes. E pensando, pensando, vou cismando por esse mundo de meu deus, e lembrando minha infância, quando paquerava as bolsas coloridas dos anos 80 de minha mãe. É. Se Freud não explica, tenho eu mesma de tentar resolver meu enigma.

Uma amiga certa vez me disse que essa coisa de comprar bolsa e sapatos - sim, eu também adoro sapatos - era típica de gordos, porque não pode comprar muitas roupas, aí desconta nos acessórios. Olhe, confesso, sempre fui louca por esses porta-objetos com alças e nem sempre fui gorda. E, bem, meu armário está bem servido de roupas de todas as cores e modelos que se adequam à minha silhueta. Pelo menos o mercado está acordando para essa parcela da população tamanho G. Hipótese descartada então.

Confesso que não compro todo tipo de bolsa. Não tenho essas "da moda" dourada, prateada, ouro velho e afins. Não combina. As minhas são de tecido, coloridas, algumas de couro, de Seu Expedito Seleiro, grandes, médias, poucas pequenas... Tenho uma pasta preta que quase não uso e sempre tento comprar um modelo prático dessa cor mas saio da loja ou de mãos abanando ou com um exemplar com tantas cores que é difícil achar uma roupa que não combine. Na semana passada fui a três lojas diferentes, achei a bolsa em tecido cru, do jeito e estilo que eu queria, com preço acessível, mas eu resisti e não levei. Arrependida estou, é verdade. Mas é um começo não é? Marcelo diz que é compulsão, eu não acho. Pior se fosse assim com as tatuagens. Sete é um bom número para elas, já para as bolsas...

Quando era adolescente tinha poucas opções, lembro de uma preta e uma creme que usava no segundo grau quando a farda foi abolida, mas era quase sempre a mesma, uma mochila de couro pequena, usei até gastar, moça de pouco poder aquisito que era. Quando comecei a trabalhar, pagar a faculdade e sair na noite recifense, comprei mais algumas, ainda com os tons sóbrios. Era a moda da bolsa-carteiro, bem mais estilizada é verdade e eu tinha três. Depois mais uma pequena preta, outra azul e uma de lã que eu bordei com miçangas e a tenho até hoje. O tempo passava, minha noção de moda crescia e meu gosto pelas cores ainda mais. Vai ver essa mania adquirida é o símbolo da minha liberdade conquistada.

Hoje, bolsas coloridas me dão o visual que quero, como me enxergo, levam todos os apetrechos que eu decido, virou meio que a minha marca registrada. Libertei a vontade ou aprisionei-me em mim mesma? Tento, em vão, responder a pergunta. Não sei. De tudo mesmo o que ficou, é que hoje posso optar por usá-las de forma descontraída, berrante, combinando ou não com os sapatos e sandálias, a mesma bolsa sempre ou mesmo decidir se fico sem nada nas mãos, me contento com bolsos e corro livre para onde até Deus duvida! Benditas bolsas, benditos bolsos, e benditas escolhas que hoje posso fazer.