terça-feira, abril 27, 2010

Por aqui, por ali, por todo lugar

Suando muito, andava pelas ruas de Fortaleza com as unhas dos pés pintadas de verde. Quanto calor! Sentia as gotas de suor escorrendo pelas costas, descendo pelas ancas, pernas até alcançar as tiras da sandália marrom clara. Arrumava os cabelos por trás das orelhas e dava graças aos céus por tê-los cortado antes de sair de férias. Achou a avenida movimentada, estreita mas não se incomodou com o barulho, até se distraiu.

Pensava que estava quase na hora de comprar a passagem e voltar para casa. De repente, um susto. Sua casa não era mais ali. Há quase um ano havia ido embora. Ela sabia, precisava arrumar a mala da volta. Estaria cheia de decisões difíceis e sentimentos revisitados. Preocupou-se que talvez pagasse excesso de bagagem. Mas era o preço por ter tido coragem de voltar e receber tanto amor. Nem sempre sabe-se o que fazer com isso.

A blusa verde de listras começava a ensopar mas ela nem prestava atenção. Chegou ao banco e deu-se conta de que havia esquecido o RG. Mas seu caixa, não posso sacar o FGTS com o restante da documentação? Você pode me mostrar a carteira de motorista. Eu não dirijo. Ah, então terá que voltar amanhã. Tudo bem.

Havia estado na casa da amiga e revirado as caixas que deixou guardadas por lá. Buscava um documento em específico. Não encontrou. Não teve saudades dos objetos dali. Pensou que pediria para jogá-los fora. Havia percebido que não precisava mais deles. De nada dali. Ocupavam um espaço que não era mais seu e cheiravam a bolor. Como a vida que levou nesse lugar agora parecia a ela. Distante, antiga mas estranhamente tão familiar.

Decidiu voltar a pé para o lugar onde estava hospedada. Estava quente, mas gostava disso. Voltou olhando as ruas, as pessoas, adorando o engarrafamento de veículos e as buzinadas. Pensou em cada dia que viveu naquela cidade. E se voltasse? Ela não era mais a mesma. Seria diferente? Seria feliz de novo? Seria hora?

Tudo seria novo quando chegasse no seu apartamento colorido. Três possibilidades concretas de trabalho. O telefone que não parava de tocar desde que viajou. Os beijos que a aguardavam. Os saltos altos, as roupas formais. Nada a assustava mais. A cidade estranha, de pessoas tão cinza a agradava. Desembarcaria naquele aeroporto como se chegasse pela primeira vez. Só que iria por ela. Apenas.

Pensou que a vida estava acontecendo. Naquele instante. Enquanto ela atravessava a rua. Quando desejou uma cerveja gelada. Agora, quando decidiu que precisava escrever novamente. Acontecia rápida e surpreendente. Ela não precisava voltar. Precisava ir. Para o mundo. Cada rua, cidade, estado, país. Provar as comidas, falar as línguas, descobrir os bares e cantigas. Sentir os amores novamente. Curar o peito e deixas as dores irem embora. Não cabiam na sua mala já tão cheia.

Ela, parada no meio do trânsito, suada, descabelada e vermelha do sol, sabia o que queria. E iria atrás disso. O resto, era o caminho a percorrer. Ela levaria tudo e todos dentro dela. Mas precisava do mundo como de uma cerveja gelada.