quinta-feira, junho 14, 2007

Pensando cá com meus fones de ouvido

Hoje vindo pro trabalho, de ônibus, como há tempos não acontecia, com fones de ouvidos mudando de estação e aí toca Luiz Gonzaga e Fagner "... no Ceará tem disso não, tem disso não, tem disso não..." e uma lembrança direta da minha infância me caiu como um raio: roupas de chita, trancinhas de náillon, pintinhas na cara feitas com lápis de olho de minha mãe e meu pai lá na cadeira de balanço no terraço de casa ouvindo isso no radinho de pilha preto, companheiro quase inseparável em seus momentos de folga. Eu rodava, rodava, gostando de ver o colorido da saia e ele só ria. Um misto de saudade e de distanciamento daquela época ficou me rondando até agora. Dia 21 fazem 20 anos que ele morreu. Tudo isso juntou-se ao que li no blog de Maísa ontem e fiquei pensando como seria ter tido uma vida toda com o acompanhamento dele. É estranho pensar nisso porque antes eu achava que estava sendo malvada, ingrata com a minha mãe que se desdobrou em mil para ser também a figura paterna, criar as duas filhas com zêlo, dignidade e rigor sem deixar de dar amor e carinho. Às vezes acho que ela fez tanto, que supriu de tantas formas e eu acabei achando normal não ter pai. Claro que isso na escola era um problema, porque tinha aquela coisa de fazer lembrancinhas pro dia dos pais. Eu ia dar pra quem? Numa das vezes, fiz tudo e dei pra minha mãe. Ela chorou, eu também. Não sei como seria ter pai, assim, vivo. Logo o meu, que era do estilo rigoroso com os filhos mas extremamente boêmio, jogador de futebol, estudava filosofia e contabilidade com a mesma paixão. Imagino a reação dele aos meus primeiros namorados, tatuagens, resolver ser jornalista e não advogada, largar a casa, família, cidade pra ir morar com um homem em outro estado. Como seria a emoção de me ver formada, será que iríamos juntos ao bar, tomar várias cervejas e ver o jogo do Sport contra o Náutico? Claro que o meu Sport ganharia e ele ficaria de mal humor e brigaria comigo. Penso nessas coisas todas e gosto de imaginar hipóteses, de criar teorias, inventas várias vidas que temos juntos. Ele não era o marido mais fiel, nem o pai mais dedicado e de certa forma acho que o tenho mais próximo de mim hoje do que quando tinha sete anos. É Maísa, crescer sem pai não é coisa fácil, nem pros filhos e nem pra esposa, mas a gente se cria, se forma, vira boa gente e não fica doido. Ao contrário, pode ser muito feliz, vira um pai melhor ou mãe mais atenciosa. No meu caso, encontrei mais que um pai pros meu filhos, um companheiro que já cuida do João de uma forma tão única que eu não saberia escolher mais ninguém além dele. Serei uma mãe melhor com ele e com tudo que poderei aprender, assim como você também aprendeu.
Comentários:
Chorei de novo, Van... Um choro doído mas ciente de que nem tudo é dor: é um baita aprendizado, minha querida, essa vida. E eu nem consigo mais imaginar outras vidas... quem sabe umas mais para curar... sei lá. Peraí que vou ali chorar mais um tantinho
 
Eu não imagino como seria crescer sem pai, mas teu post me fez pensar que às vezes a gente não se dá conta da sorte que tem. Às vezes vou me arrastando pela vida, sem me dar conta das pessoas ao meu lado.
Fiquei pensando também que talvez isso tenha te servido para, indo muito além da dor da ausência, ter consciência da sorte da presença (da tua mãe, ou de quem quer que seja).
E você parece ser uma pessoa linda, não tem como não ser uma boa mãe. :)

beijo
 
Tu sempre me emociona...
Sou fã, já disse outras vezes.
Beijão!!!
 
que lindo Van... tb não tenho dúvida que serás uma boa mãe e seus filhos terão um bom pai... adorei o que vc me disse sobre ser escolhida. obrigada por vc fazer parte da minha vida e eu poder te ter assim por perto.
 
Ai, ai, só suspiros. Lembrar dá uma coisa boa na gente. Você será uma linda mãe quando resolver ser. Ele será um lindo pai também. [ai, ai]
 
Afe, acho que não sou esse pai tão assim assim, não. Sou marinheiro de primeira viagem, lembram? Sei não, talvez minha vantagem seja gostar de pensar no que preciso fazer, tirar conclusões e depois não ter medo, ainda de descobrir que esteve errado. Deve ser isso. Mas isso não é vantagem de pai, ou de mãe. É de ser humano mesmo. Aprender a ser pai e mãe é aprender a ser gente, acho que é preciso sentir-se responsável, é preciso ter cuidado com a vida. O resto é mistério... beleza, não?
 
Ô, Van. Mas tu só juntou as palavras mais lindas nesse texto. Tu me emociona e me faz rir fácil fácil, sua danada.
 
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