segunda-feira, janeiro 28, 2008

Pé de pinhão roxo

Morei no interior de Pernambuco, numa cidadezinha chamada Gameleira com pouco mais de 25 mil habitantes até meus 12 anos, 5 meses e alguns dias, quando me mudei com mãe e irmã para Recife, ficar perto dos parentes e estudar na capital. Uma das lembranças mais fortes é Dona Amara, uma senhorinha pequena, de lenço no cabelo e argola dourada que era a curandeira oficial da família. Minha mãe nessa época ainda não havia se tornado a católica fervorosa de hoje e confiava as nossas dores e molezas aos diagnósticos de Dona Amara que se alternavam com "olhados" e "espinhelas caídas".

Com uma folha de pé de pinhão roxo na mão, ela entoava rezas profundas e o bicho secava quando era um olhado mais forte ou ficava verdinho se não fosse esse o nosso mal. Ela não cobrava nada por esses atendimentos, morava com um cego muito grosseiro que não gostava de suas visitas e cheirava a arroz e farinha. Sempre levávamos presentes, mesmo quando não era dia de reza. Soube depois que minha mãe fazia feira para ela todos os sábados e Dona Amara tinha adoração pela minha família. Meu pai não gostava dessas coisas místicas, mas a respeitava e aos domingos mandava buscá-la para almoçar com ele e com os tantos amigos que enchiam a casa quando ele era vivo e depois de sua morte sumiram de nossas vidas. Ela agradecia e dizia que quando tivesse menos gente iria, tinha vergonha.

Uma vez, a empregada doméstica de casa foi embora no meio da tarde, fugida com o namorado, e deixou a mim, com cinco e minha irmã com oito anos em casa trancadas. Como passou na bicicleta com o rapaz pela frente da casa de Dona Amara com cara de, segundo a curandeira, quem comeu e gostou muito, a senhora logo desconfiou que tinha algo de errado e foi até lá. Mandou rápido chamarem minha mãe no Posto de Saúde e ficou conversando conosco pelas frestas da porta para que parássemos de chorar até ela chegar. Depois do ocorrido foi na casa da moça que nos deixou sozinhas e conversou com os pais dela, tomou as nossas dores como uma avó.

Depois que nos mudamos, como não haviam parentes em Gameleira, voltamos poucas vezes à cidade. Acho que tinha uns 15 anos quando fui na casinha pequena e verde aonde ela sempre morou. Tinham nos contado que estava muito doente, quase 90 anos de uma vida muito dura sabem... os filhos estavam com ela, tinham voltado de São Paulo para vê-la, estava feliz e serena. Todos nos emocionamos e tivemos que sair às pressas porque o coração dela não agüentaria. Faleceu algumas semanas depois.

Não sei porque, com o tempo parei de falar nela e acho que a esqueci por alguns anos. Hoje, estava no sol da uma da tarde, esperando um ônibus e uma senhora me abordou. Estava carregando muitas sacolas e não tinha dinheiro para pagar passagem. Sua casa não era longe, me disse, mas estava tão cansada de andar no sol... pedi que pegasse o mesmo que eu e pagaria sua passagem, não tinha dinheiro, apenas o cartão de vale eletrônico. Sentou, conversamos e me contou que era avó de seis meninos, mãe de três moças e um rapaz. Que estava doente e que a patroa não dava o dinheiro da passagem, por isso ela voltava a pé. Mas que ela tinha plantado na porta de sua casa, depois da cheia que levou seus móveis, um pé de pinhão roxo porque acreditava que aquilo ali ajudaria a afastar o mal olhado na sua família que era muito pobre mas não tinha bandidos. Pegamos o ônibus e ela se preparou para descer algumas paradas à frente, me disse que se chamava Amara e que eu não me preocupasse, as coisas iam dar certo para mim. Lembrei da velha curandeira. Hão de dar certo sim.
Comentários:
Coincidências? Na-na-ni-na-não! Os sinais estão por toda parte;) É só prestar atenção e aquetar o coração, visse, bichinha? Cabeça erguida, espinha ereta e coração tranqüilo;) Bjs, dona moça.
 
a ternura com q escreves enche o peito d qualquer um d alegria...

abraço.
 
Nossa, Vanessa... tô atrasada pro trabalho e quando vi seu texto grandão, pensei... ih, ferrou!! mas li até o final e entendi porque ele tinha mesmo que ser grandão... Impressionante essa história!! Nem parece verdadeira... Menina... que coisa!! Eu nunca conheci uma pessoa chamada Amara (e o significado desse nome é "amarga", mas as duas senhorinhas da sua história, ao contrário, são tão doces!!!) Adorei. Tornou essa minha terça-feira paulistana e chuvosa um pouco menos cinza.
 
eu tenho memórias assim, lindas... e EU TE AMO, sim, cão!
 
Uma das vantagens de passar a infância em cidade do interior são essas gostosas lembranças de avós emprestadas, curandeiras e carinho....
 
não é ótimo qdo a gente encontra alguém q remete a nossa infância? adoro boas lembranças, e adoro essas "coincidências"!
 
Menina, meu deu foi um arrupio na espinha! :)
Cadê tu nessas férias? Já viajou? Dá sinal de vida...
Bj!
 
EU acho que nada é a toa. Nem aquele perfume que você sente do nada no meio da rua...
Beijão
 
Que lindo e impressionante! um beijo lindona.. boa viagem!
 
Post mudado!
 
Van,
Que nem a Carola, eu me arrepiei foi toda.
E tu me relembrou quando eu era criança lá em Sobral. Eu tinha uma dor na perna e minha mão chamava uma curandeira pra rezar que nem dona Amara. A dor na minha perna ainda hoje eu sinto, de vez em quando. Vou descobrir o nome da minha curandeira.
Vai pro Recife?
Eu vou praí. Chego de noite.
Beijo,
 
Isso que dá driblar o trabalho p/ entrar em blogs... Aí dá-lhe tentar disfarçar as lágrimas insistentes depois de ler um post como este. Lindo, Vanessa.
 
Dani , tu sabe, a vida continua e a gente faz ela ser melhor :)

Linhas do Desassossego , escrevo o que se passa aqui dentro, fico feliz que te dê boas sensações. Volte sempre, a casa é sua, pode morar :)

Silvia , pois é, eu tenho outra Amara na minah vida, uma senhora que traablhou na minha casa qd eu era mt pequena e que praticamente me criou. Será mais uma coincidência?

Andrea , tu me ama nada :P

Sombra de Sonhos , pois é, são as melhores lembranças sim. Acho que todos merecíamos infância no interior, sabe?

Kazinha , será que são mesmo coincidências?

Carol , viajei nada, nem vou mais. cadê nossa cerveja?

Donda , nada mesmo...

Analéa , cadê tu, criatura? Tu devia abrir um blog tb :P

Wellington , já fui lá ver, visse?

Cris , doida pra te ver, Criscalina, vai pra Sobral antes de nosso encontro não!
 
Eita, isso é a cara do interior do meu Ceará!

Também fui "benzido" na infância e acredito na força da fé, em "tirar a reza" e na força dos eventos místicos-cristãos não estabelecidos pela "religião oficializada", tais como a Renovação do Sagrado Coração de Jesus.

A cara do Juazeiro do Norte, CE; Gameleira, PE; Paraíba, Rio Grande do Norte...
 
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