sexta-feira, fevereiro 22, 2008

A vida segue

Minha avó tinha 15 anos quando casou com um caxeiro viajante que passou pela sua cidade. Naquela época, seus pais estavam preocupados, porque ela poderia ficar no caritó. Ela teve seis filhos e criou todos com o ofício de costureira. Quando eu nasci, meus avós já estavam aposentados, tinham uma vida confortável que os filhos se esforçaram para lhes dar. Trocaram o interior pela capital pernambucana e a casa de tijolos por um apartamento que eu adorava visitar porque era perto de uma pracinha e a minha diversão era ir comprar pão à tarde e ficar brincando por lá até que eles cansassem de me ver correr. Os retalhos da minha avó eram a festa das nossas bonecas. Minha irmã e eu fazíamos os vestidos mais malucos com aquelas fitas e botões e ela ria dos desfiles de moda que promovíamos na sala.

Depois que meu pai faleceu, ela mudou. Não costurava mais, não descia mais para pracinha e não conseguia mais me ver. Eu era igual a ele, ela não agüentava. No meu entendimento de menina, eu fazia mal a ela, deixei de ter alegria com os retalhos e passei a ser visita rara no apartamento com janelas amplas. Mais velha, ia até lá, penteava seus cabelos e fazia seus coques com tantos grampos, do jeito que gostava. Escolhia os tecidos floridos dos seus vestidos e comprava os chinelos mais confortáveis para lhe dar no Natal. Ela me olhava, conversava um pouco se alheiava da vida.

Chegou a hora do meu avô partir e achei que dessa vez eu quem não iria agüentar. Tudo ficou cinza e não fui mais ao apartamento que deixou de ser a casa deles e passou a abrigar pessoas de quem nem gosto tanto. Minha avó esqueceu da vida, das pessoas e dela. Sempre me perguntei o que haveria de ser feito para que ela voltasse a ser a costureira que enchia minha cama com bonecas de pano. Nunca entendi como poderia alguém ter tantos sofrimentos numa única vida... até que fui visitá-la há alguns dias. A dor que vi não pode ser explicada. Fui egoísta e me senti mais tranqüila em ver que daquela vez ela iria descansar. Demorou alguns dias até que o telefonema veio. Ela se foi. Não senti tristeza, mas uma sensação de que estava na hora. É difícil encarar que alguém vai e não volta mais, entretanto fiquei surpresa em aceitar isso. É um fato, é inevitável. Ficam apenas a saudade e as boas coisas. E nós.
Comentários:
eu é que sou fã do sangue do teu olho, de dizer as coisas de forma tão verdadeira.
beijo.
ps. ô vontade duma árvore, e nós debaixo, os amigos, achando graça e batendo palma. ;)
 
sensacional esse seu post, vanessa. sua descrição é bem visual!! adorei!! tomara que sua avó tenha uma linda o florida jornada espiritual. bjs
 
eu adoooro o jeito q vc escreve.
a gente fica viajando, vê cada cena q vc descreve.

eu acho q vc não ficou triste, pq no final, a sua vó voltou pra junto de quem ela queria, né?
a pior parte é sempre pra quem fica.

um beijo
 
Arrasou como sempre!
Saudade...vem pra cá,vem?!?
xerus
 
Lindo Van!
me emocionei.. e me senti dizendo tuas palavras!
que lindo!
que intenso e ao mesmo tempo me senti leve!
beijos lindona! saudades de você!
 
...

ô, menina, só agora vejo e sinto com você isso tudo. Os nós se desatam, todos eles. Beijo e abraço beeeeeeem apertado.
 
É... se fosse minha vó, depois de muito viver, tbm acharia bom para ela que descansasse de uma vez. Mas, e quando for a minha vez, será que vou achar tão normal assim que meus netos me queiram ver descansar? Quem foi que disse que já vivi até enjoar? Quem disse que eu quero parar? Vôte! Coisinha complicada a tal da morte! Que bom que vc e ela stão em paz. Beijos da terrinha.
 
Gata, somos máquinas de vivências, somos mares de afetos, somos... que a partida é uma metáfora boa, pois aqui deixamos plantados muitas coisas, de preferência, coisas boas, mas nem sempre. Pra encarar, como disse Manoel de Barros, a inspiração vem das minhas memórias infantis", memória que não é museu, memória que é reinvenção incessante. Nesse seu texto, vc foi afeto, vc foi vivência, vc foi memória, vc foi humama. Por assumir tudo. beso.
 
Ops,Gata,

Vc "foi" não! Nesse texto, vc é.. é vivência, é afeto, é memória, é humana... Bye.
 
Bem... Sobre as o momento inevitável da vida...
Aqueles que amamos, nunca, jamais, se vão.
Afinal, algumas pessoas não morrem se encantam, já disse um certo poeta!
Um abraço largo!
 
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