quarta-feira, abril 23, 2008

De saco cheio

Eu jurei para mim mesma que não ia falar desse assunto. Mas é que, pô, tá demais. Você liga o rádio, tá lá. Aí você liga a TV, bombando! Liga o computador, tá nos portais. Senta pra almoçar, as pessoas falam. Pega ônibus, mesma coisa. Não dá pra não ver ou ouvir, mas eu juro que o caso Isabella não me causa comoção. Não é maldade, pelo contrário. Fiquei chocada, como tantas outras pessoas pela morte, pela perda de uma vida. Mas essa não é a única criança na face da terra que sofre violência e ainda por cima pelos pais. Quantos casos não acontecem no seu prédio, na sua rua, na sua cidade? Por que só esse ganhou tanto espaço na mídia? Por que a Ana Maria Braga abre todos os dias o seu programa com esse tema? A mais nova agora é generalizar e condenar todas as madrastas, é encher a cabeça de pessoas - como algumas da família do meu enteado que hoje mora comigo - que elas são piores que a bruxa da Branca de Neve. Só me faltava essa.

Aí quando não se tem mais o que dizer, dividem as "notícias" em três blocos no jornal, repetindo as mesmas coisas. Ontem, seis e meia da manhã, a repórter solta a pérola: "Pois é, fulano de tal, estamos aqui na frente do prédio da família da madrasta, mas está tudo calmo, sem manifestações e entra e sai, mas esperamos agitação ao longo do dia". Ok. Ela esperava que às seis e meia da manhã a rua estivesse bombando, os manifestantes tivessem dormido na frente do edifício e àquela hora já berrassem com cartazes na mão ou algo parecido? Gente, seis e meia da manhã! Dá pra entender?

É uma esquizofrenia por completo essa cobertura, o que se chama de jornalismo. Todos falando sobre tudo a cada minuto, com medo de perder o furo. Os repórteres dão qualquer notícia, desde conversar com os chamados especialistas para analisar comportamento, se a menina ia morrer mesmo caso não tivesse sido jogada até mostrar as cenas da mãe como se fosse uma pop star com direito a conversas com artistas como Xuxa e Zezé di Camargo. Teorias infinitas. É muito CSI no juízo. Salve Grissom, que trabalha com as evidências.

Não vou entrar no mérito de culpados e inocentes, não sou eu quem vai desvendar esse mistério, mas eu acho que já chega. Estou mais preocupada com as crianças que morrem a cada minuto, de violência familiar, de fome, de abandono, de frio, de negligência. Os culpados merecem ser punidos? Sem dúvida, mas nós também porque enquanto esse circo não se desarma, não nos preocupamos com a vida, com a ética, com o próximo. Só apontamos o dedo na ferida, afinal, não erramos, somos seres perfeitos que podem julgar com isenção as atitudes de todas as pessoas ao nosso redor, não é mesmo?
Comentários:
Dou graças quando vejo mais alguém de saco cheio dessa história. Ainda mais quando vai um "especialista" com uma boneca pra tv e diz "vou jogar a boneca pra reconstituirmos o caso". Quero é que ele se jogue, isso sim, de preferência do 24º andar.
 
Van.. também tenho esse mesmo sentimento.. é em todos os canais... depois do joão hélio (arrastado pelos ladrões), Suzane Ris(alguma coisa) que matou os pais... sempre elegendo as trajédias! sei não.. cansei! mas... mudando de assunto, que pena não ter ido domingo.. tava tão animada! Mas trabalhei o sábado inteiro, tinha zilhões de pacotes de prova a corrigir, além da famosa enxaqueca me pertubando o domingo inteiro.. eita bichinha foi osso! enfim! espero novos convites..kkkkk como foi tudo??? beijos e saudades dos abraços!
 
E tome agenda setting!
 
concordo plenamente!!
 
Van,

Eu que já discuti em mesa de bar, sequer assinto mais TV. Vale a pena o texto do Cotardo Calligaris:

A turba do "pega e lincha"

"(...)
Os repórteres de televisão sabem que os membros dessas estranhas turbas respondem à câmera de televisão como se fossem atores. Quando nenhum canal está transmitindo, ficam tranqüilos, descansam a voz, o corpo e a alma. Na hora em que, numa câmera, acende-se a luz da gravação, eles pegam fogo.
Há os que querem ser vistos por parentes e amigos do bar, e fazem sinais ou erguem cartazes. Mas, em sua maioria, os membros da turba se animam na hora do "ao vivo" como se fossem "extras", pagos por uma produção de cinema. Qual é o script?
Eles realizam uma cena da qual eles supõem que seja o que nós, em casa, estamos querendo ver. Parecem se sentir investidos na função de carpideiras oficiais: quando a gente olha, eles devem dar evasão às emoções (raiva, desespero, ódio) que nós, mais comedidos, nas salas e nos botecos do país, reprimiríamos comportadamente.
Pelo que sinto e pelo que ouço ao redor de mim, eles estão errados. O espetáculo que eles nos oferecem inspira um horror que rivaliza com o que é produzido pela morte de Isabella.
(...)
Em parte, a irritação que sinto ao contemplar a turma do "pega e lincha" tem a ver com isto: eles se agitam para me levar na dança com eles, e eu não quero ir.
As turbas servem sempre para a mesma coisa. Os americanos de pequena classe média que, no Sul dos Estados Unidos, no século 19 e no começo do século 20, saíam para linchar negros procuravam só uma certeza: a de eles mesmos não serem negros, ou seja, a certeza de sua diferença social.
O mesmo vale para os alemães que saíram para saquear os comércios dos judeus na Noite de Cristal, ou para os russos ou poloneses que faziam isso pela Europa Oriental afora, cada vez que desse: queriam sobretudo afirmar sua diferença.
Regra sem exceções conhecidas: a vontade exasperada de afirmar sua diferença é própria de quem se sente ameaçado pela similaridade do outro. No caso, os membros da turba gritam sua indignação porque precisam muito proclamar que aquilo não é com eles. Querem linchar porque é o melhor jeito de esquecer que ontem sacudiram seu bebê para que parasse de chorar, até que ele ficou branco. Ou que, na outra noite, voltaram bêbados para casa e não se lembram em quem bateram e quanto.
Nos primeiros cinco dias depois do assassinato de Isabella, um adolescente morreu pela quebra de um toboágua, uma criança de quatro anos foi esmagada por um poste derrubado por um ônibus, uma menina pulou do quarto andar apavorada pelo pai bêbado, um menino de nove anos foi queimado com um ferro de marcar boi. Sem contar as crianças que morreram de dengue. Se não bastar, leia a coluna de Gilberto Dimenstein na Folha de domingo passado.
A turba do "pega e lincha" representa, sim, alguma coisa que está em todos nós, mas que não é um anseio de justiça. A própria necessidade enlouquecida de se diferenciar dos assassinos presumidos aponta essa turma como representante legítima da brutalidade com a qual, apesar de estatutos e leis, as crianças podem ser e continuam sendo vítimas dos adultos."
 
Van,
Assino embaixo de tudo que vc escreveu.
Esse circo montado pela mídia extrapolou há muito a ética e o bom-senso. Virou palhaçada total.
Até missa com o padre Marcelo, Ivete Sangalo, Ana Maria BrEga, Zezé de Carmargo-e-Luciano... e lógico, Serra, Alckmin, Kassab...já armaram. E o que é pior: com a mãe da criança dando autógrafos e posando pra fotos
Sinceramente....é muito pra minha cútis!!
Coitada dessa criança. Todos os urubus, abutres e hienas estão se aproveitando da carniça dessa pobre inocente.
NOJO!!!
 
Van, nem te conto:
Reconstituição da crime nesse domingo!!
 
Finalmente um pouco de sensatez!!
Bom ler algo parecido com o que penso.
 
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