domingo, novembro 08, 2009

Das estantes

Aprendi a ler cedo, antes de todas as crianças de minha escola. Acho que movida pela curiosidade. Lembro como se hoje fosse, sentada no colo de meu pai na cozinha da casa do campo, lia com ele as manchetes do Diario de Pernambuco. Ele achava graça, pedia para eu ler as legendas. Eu me exibia, lia os subtítulos também.

Minha casa sempre teve muitos livros. Havia uma coleção ilustrada com as lendas do folclore brasileiro. Boitatá, Saci Pererê, Curupira foram aos poucos tornando-se meus companheiros de aventura. As lembranças de meus seis anos não são de assistir ao Balão Mágico na TV, mas a de vasculhar as estantes da sala e me deparar com a obra de Monteiro Lobato e um dicionário. Aquele livro repleto de palavras me encantou de uma maneira que todos os dias ao chegar da escola escolhia 10 palavras para decorar os significados. Depois, corria até as empregadas e contava o que tinha aprendido. Ensinei ao nosso papagaio as mais difíceis e engraçadas para a minha pouca idade: catástrofe, nauseabundo, pachorra (que ele repetia como cachorra)...

Morávamos no interior de Pernambuco e não havia livrarias na cidade. Os livros eram adquiridos através dos vendedores porta a porta e sempre que um chegava em nossa casa, eu e minha irmã tínhamos ataques de euforia. Para desespero de minha mãe e salvação do mês do cacheiro, queríamos as coleções todas. Contentes, passávamos horas folheando as novas aquisições, sentindo o cheiro do papel novo, a textura das páginas. Eram momentos de entrega profunda e quando a viagem da leitura começava, a vida lá fora congelava.

Quando fiz dez anos, visitando meus avós no Recife, mainha disse que eu poderia escolher meu presente de férias. É que não tínhamos hábito de nos presentear em datas normais como aniversários, dia das crianças e Natal. Dar um presente era a qualquer hora, sem motivos especiais. Eu disse a ela que queria conhecer uma livraria e escolher um livro. Foi aí que dei de cara com a Livro 7, bem no centro da cidade.

Meus olhos nunca tinham visto coisa como aquela. Estantes repletas, capas coloridas, volumes ilustrados, revistas, jornais, gente sentada em banquinhos lendo. Não sei por quanto tempo demoramos ali. Escolhia um novo livro, depois colocava de volta, escolhia outro. Andava lentamente, com medo que se corresse poderia perder algum volume que me passasse rápido pelos olhos. O dono perguntou a minha mãe se era a minha primeira vez ali e ela respondeu sorridente que sim. Acho que notando a minha angústia, foi até mim e disse que poderia voltar quando quisesse. Agarrada com uns seis exemplares de autores diferentes expliquei que morava em outra cidade e queria levar livros para o semestre todo.

Escolhi Guerra Dentro da Gente de Paulo Leminski. "Um apenas", pediu minha mãe. Depois desse vieram muitos outros. Ir a Recife significava mais que ver a família, era visitar a Livro 7. Alguns anos mais tarde, quando nos mudamos em definitivo para a capital, minhas tardes de sexta-feira eram dedicadas aquele lugar mágico. Lá descobri Fernando Pessoa, Mário Quintana, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Marx, Nelson Rodrigues, Ascenso Ferreira. O dinheiro da mesada tinha destino certo.

Hoje, ao chegar em uma nova cidade, os primeiros lugares pelos quais pergunto são botecos, livrarias e sebos. Quando fui morar em Fortaleza, minha mãe só acreditou que era para valer ao pedir que me enviasse os meus livros. Agora, em Brasília, não posso descrever a felicidade com a qual recebo a notícia de que uma caixa com conteúdo inestimável segue do Ceará para cá pelas mãos de um amigo. Mal posso esperar para abri-la e reconhecer os cheiros, as texturas e as histórias contadas. Minha casa começa a ficar completa.
Comentários:
Livro 7!! Nossa, que saudade. Bons tempos.
 
Me identifico totalmente com vc nesse quesito. Tb aprendi a ler antes de todo mundo, brincando com letrinhas de plástico.
 
Van, ler seu blog sempre me emociona!
 
Mas essa é minha história também!!!
 
Muuuito bom cheirinho de livro novo! Ahh, gosto do cheiro de revista nova tb! hehehe
 
Ai, Van, isso me deu uma saudade dos meus filhotes encaixotados lá em Fortaleza eu aqui tão sem eles... rsrs Vou ter q comprar livros por aqui pra não sentir tanta falta.
 
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