sexta-feira, outubro 22, 2010

A saudade é Brigitte Bardot acenando num filme muito antigo

O nome dela era Áurea, criou meu pai e meus tios, cuidou dos meus avós até a morte deles, ajudou a criar vários dos meus primos e deu muito mimo a mim e meus irmãos. Adorava minha mãe. Ela era baixinha, de pele escura e lustrosa que quando eu era menina, me dizia que era assim porque tinha tomado banho de lua. Sempre conversando, meio resmungando da bagunça que eu e meus primos fazíamos em casa de meus avós. Na quarta de manhã, minha irmã me ligou e deu a notícia. "Van, Nêga morreu". Numa reunião que estava, não processei bem a informação. Avisei a minha mãe, acalmei minha irmã. Voltei aos meus afazeres.

Hoje, passei o dia pensando nela. Não nos dávamos muito bem. Eu tenho dificuldades com mimos. Não gosto de atenções exacerbadas, de cuidados que não considero necessários. Nêga era assim. Fazia a comida favorita da minha irmã, chata para comer, só para ela almoçar. Colocava meu primo Francisco para dormir contando histórias. Penteava os longos e encaracolados cabelos da minha avó e depois fazia um coque caprichado. Quando meu avô adoeceu, era ela quem dava banho, quem ficava ao lado dele no hospital. Uma vez me disse que eu não gostava dela. Não era verdade. Eu era muito metida a dona de mim, não queria favores. Não precisava me agradar.

Nos últimos anos, voltou a morar na sua cidade natal. Estava feliz, sossegada. Ligava sempre na casa de minha mãe, ia visitar. Perguntava por todos, contava da vida no interior. Sentia saudade de quando éramos pequenos e dos meus avós. Dizia que não tinha filhos mas tinha criado tantos que nem se importava. Fiquei pensando na dor de meus irmãos pela perda dela. Na minha mãe, que vê mais uma pessoa querida partir. E sinto saudades de Nêga. Da pele lustrosa e dos cochichos na cozinha no almoço de Natal. Dos esporros que dava em minha tia Nenê pelos atrasos constantes e que depois morria de rir contando para os outros. Dospuxões de orelha que dava em meu pai, quase 30 centímetros mais alto que ela. Das implicâncias de meu avô com ela.

Nos falamos por telefone antes de me mudar para Brasília. Disse que eu estava crescida e que queria conhecer meu marido para contar das minhas peripécias. Ri e disse que haveria tempo. Não houve. Gostava dela e hoje aceitaria de bom grado todos os seus mimos. Já não sou a dona da verdade e me entristeço por não tê-la por perto para reclamar de como criarei meus filhos. A saudade é uma coisa boa, eu acho. Hoje, e apenas por hoje, acho que não é tanto.
Comentários:
Que lindo, Van. Me emocionei. Tu escreve lindo.
 
"a saudade...é prego e parafuso - quanto mais aperta, muito mais difícil arrancar" texto bonito, a cara do domingo. beijo.
 
Adorei sua definição de saudades. Que Deus tenha recebido muito bem a N~ega lá em cima! Feliz 2011. Bjs
 
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