domingo, julho 17, 2011

Reencontros

Minha mãe ficou órfã muito cedo e foi criada na Usina Cucaú, interior de Pernambuco, por parentes de minha avó. Desde que me entendo por gente, ela me conta das histórias de sua infância, da casa onde morou, das primas que viraram irmãs, dos outros agregados da casa humilde de Joca e Neném que formaram uma família bonita, sem laços consaguíneos. Muitas décadas se passaram desde que deixaram essa casa. Todos se encontram, no entanto, nos casamentos, nas festas de aniversário, nos velórios, nos batizados, quando visitam as cidades uns dos outros.

Hoje foi dia de pegar o carro em Garanhuns - cidade serrana na qual mora minha irmã e onde estou passando alguns dias de férias - e levar mainha para reencontrar Heleno e Liu. Ouvi todas as histórias sobre Heleno quando eu era criança. Fugido da casa dos pais, minha tia Dalila o conheceu na cidade em que moravam. Foi assim, com a generosidade das pessoas do interior que ela disse com tranquilidade "venha morar em minha casa, vou apresentá-lo a Pai Véio e ele vai acolhê-lo". Heleno foi e se juntou à família.

Passaram-se 29 anos desde que eu vi Heleno e sua esposa Liu. Eu tinha 3 anos e estava correndo pelo casamento da minha prima Laudi. Heleno hoje me contou que eu só parei quando meu pai me pôs nos braços. Disse que sempre que olhava, via as pontas do meu vestido de babadinhos passando rápido, eu de um lado a outro com minha prima Juliana a me danar pela igreja. Foi a última vez que ele viu minha mãe também.


Heleno e Liu são casados a 53 anos. Tiveram cinco filhos, muitos netos. Estão sozinhos numa casinha modesta, que tem um jardim com muitas plantas e na garagem guardam um fusca, que está com eles a 31 anos. A cidade é muito fria e ele sofre de artrose nas mãos e no joelho direito. Não consegue mais ajudar em casa e Liu quebrou recentemente o braço esquerdo, sendo canhota, encontra dificuldades para dar conta de tudo.

Apesar da tristeza, da saúde debilitada, nos receberam com atenção, com carinho e um grande bom humor. Contaram dos filhos, dos netos, das noras, das vizinhas e dos bichos que cria. "Olhe, minha filha, aqui em casa deu bem certinho, tudo velho: eu, Heleno, três passarinhos mancos e o gato, que já perdeu os dentes", ria Liu. Crise de riso da família toda no meio da sala com almofadas coloridas e jogo do Brasil na TV.

A chuva lá fora apertou, precisávamos ir embora. Fomos na cozinha comer um pedaço de bolo com café, obra do dono da casa. Lavei os pratos deles, a água muito fria, o coração aquecido. Nos abraçamos, não queriam que fôssemos. Mais meia hora. Café no fogo, todos de pé na sala, era a despedida. Abraços na calçada, muitos sorrisos agradecidos pela visita, nós, por os termos visto.

Vim embora pensando que somos muito frágeis, somos muito pouco. Minha mãe me olhou e disse que eles tiveram uma vida sofrida, mas se alegrava em saber que têm casa e um certo conforto. Eu, me alegro por poder estar por perto dela e aprender com a vida que levou, com a vida que deseja para as filhas. As histórias daquela sala foram de amor, apesar de tudo. É o que temos, é o que fica, é o que realmente marca. O amor.
Comentários:
sua família é toda linda. o amor é base pra muita coisa, ingrediente fundamental. é bom se aquecer com o amor real, simples.
Nara
 
Vanessa, que história mais linda!!! Mais "Reality Books"!!!! adorei. Estava com saudades daqui. Bjs
 
História emocionante! Desperta histórias nossas também. Lindíssimo seu texto!
 
o tom de prosa, prende o leitor.
 
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